
Em carta o advogado e ex Delegado da Polícia Federal escreve:
“Supremo Tribunal Federal. O que fazer?
O povo brasileiro vem assistindo, atônito, restrições cada vez mais severas às suas garantias individuais, com censuras prévias, humilhações públicas (carimbando-se influenciadores como mentirosos e antidemocráticos, sem direito a defesa), proibição ao trabalho remunerado e supressão da liberdade de locomoção, tristemente impostas pelo Órgão incumbido do múnus constitucional de protegê-las.
Uma arbitrariedade é caracterizada pela imposição de obrigação ou supressão de direito fora das hipóteses e dos ritos previstos na Constituição e nas leis, mas para o Presidente do Supremo Tribunal Federal os seus integrantes jamais podem ser predicados como arbitrários, porque a legitimação dos atos que praticam se dá em razão dos cargos que ocupam.
Peguem-se duas manifestações do Ministro Luiz Fux, em momentos e circunstâncias diversos, mas capazes de revelar o motivo de seu inconformismo com as críticas dirigidas aos integrantes do STF: 1º) provavelmente inspirado no Chief Justice Charles Evans Hughes, afirmou sua excelência que a “Constituição é o que o Supremo Tribunal Federal diz que ela é”; 2º) ciente do pedido de impeachment apresentado pelo Presidente da República ao Senado, declarou-o uma ameaça, embora previsto na Constituição e disse que o único caminho para modificar as decisões do Supremo é o manejo dos instrumentos processuais, ao próprio Supremo.
Vale dizer, é ilegítimo e antidemocrático opor-se às posições dos integrantes do STF, porque significa afrontar a própria Constituição, já que a Constituição é o que os Ministros dizem ser, não restando alternativa aos dissidentes, além dos pedidos dirigidos a eles mesmos, pouco importando o conteúdo de suas decisões ou declarações.
Esse posicionamento vem prevalecendo mesmo nos casos de autoritarismo explícito, recentemente patrocinados pelos Ministros do TSE e, quase compulsivamente, pelo Min. Alexandre de Moraes, mostrando-se pertinente rememorar alguns poucos fatos:
Por meio da Portaria 69/2019 o Exmo. Presidente do STF instaurou o inquérito 4.781, para apurar possíveis crimes (?) de fake news e ataques ao Órgão jurisdicional, invocando o art. 43 do seu Regimento Interno, inserido no capítulo VII, que trata da “Polícia do (Supremo) Tribunal”:
Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro. (destaques inseridos
Mesmo considerando válido(constitucional) o dispositivo reproduzido, e admitida a ocorrência da hipótese nele descrita, o que se faz para fins argumentativos, é inequívoco que veicula competência administrativa, não jurisdicional, por esse motivo conferida apenas ao Presidente da Corte, a quem também se conferiu o poder de delegá-la.
Com efeito, se a atividade fosse jurisdicional a competência seria de todos os Magistrados e não poderiam ser delegadas, porque atividades jurisdicionais não se delegam, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na própria Constituição do Brasil, não sendo esse um caso.
Sendo redundante, para evitar a obscuridade, apropriado dizer que jamais se viu ou verá um Juiz, de qualquer grau de jurisdição, delegando a um outro o exercício da atividade de aplicar o direito em um caso concreto. Nunca, em tempo algum, em nenhuma circunstância, ocorreu de um Ministro delegar o exercício do voto em um determinado processo a outro; na Ação Direta de Inconstitucionalidade “X” o voto do Min. Fux é proferido por ele, jamais pelo Min. Alexandre de Moraes, porque o exercício da jurisdição é regido pelo princípio do Juiz natural, não admitindo delegações.
Mas qual a relevância de se tratar de uma competência administrativa e não de uma jurisdicional? É que apenas no exercício da última os Magistrados, dentre eles os Ministros do STF, podem, na forma e limites do devido processo legal, restringir direitos individuais. Vale dizer, somente lhes é lícito determinar buscas e apreensões, prisões e outras medidas acauteladoras no exercício da função jurisdicional, que exige provocação e livre distribuição entre os diversos (se houver mais de um) Juízos competentes (não admitindo a escolha do Magistrado).
Dito a partir de perspectiva ligeiramente diversa, um Juiz, nenhum Juiz, possui a prerrogativa de decretar medidas de restrição de direitos pelo fato só de ocupar o cargo de Juiz, podendo fazê-lo apenas quando no exercício da atividade de aplicar o direito, naqueles casos para os quais, de acordo com as normas constitucionais e legais, seja o competente. Fora dela (da atividade remunerada de dizer o direito aplicável), age como cidadão, detendo os direitos e deveres inerentes à cidadania.
Do geral ao concreto, significa que o sr. Alexandre de Moraes, a quem delegada a atividade administrativa de investigar, não pode, por falta de competência, determinar buscas e apreensões, quebras de sigilo, afastamento de servidores ou prisões, enquanto no exercício da presidência de inquéritos investigativos. Ora, mas não se trata de um Ministro do mais graduado Tribunal do país? Sem dúvida, mas o fato de ser Ministro não lhe confere a prerrogativa de restringir direitos, senão quando no exercício da atividade remunerada de aplicar o direito em um caso posto sob o seu julgamento – e em inquéritos nada se julga, investiga-se.
Portanto, na presidência do Inquérito 4.781 as prerrogativas de sua excelência são as mesmas de um Delegado de Polícia, incumbindo-lhe, se houver elementos para tanto, representar (jamais decidir) ao Juízo competente, que pode ser o Supremo Tribunal Federal (hipóteses em que seu pedido será distribuído a um dos demais Ministros) ou outro qualquer Órgão jurisdicional do Poder Judiciário, pela busca e apreensão ou prisão, por exemplo.
A determinação de prisão diretamente realizada pelo Presidente do Inquérito, tanto quanto as buscas e apreensões e afastamentos de servidores, enquadram-se no tipo penal do abuso de autoridade – arts. 9º e 25 da Lei 13.869/2019 – a exigir a persecução penal devida. Outrossim, e em consequência da ilegalidade manifesta da ordem, a Polícia Federal não deve cumpri-las, porquanto além de manifestamente ilegais suprimem direitos fundamentais de terceiros.
Mais do que isso, a seguir-se o fundamento que a Suprema Corte ratificou ao apreciar o decreto de prisão do Deputado Daniel Silveira, também está o mencionado magistrado sujeito à prisão em flagrante, sendo desnecessária qualquer ordem judicial para tanto, aqui se exigindo melhor esclarecimento:
Os Deputados Federais, a par da imunidade absoluta por palavras, opiniões ou votos, revogada pelo Supremo Tribunal, apenas podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, dentre os quais não se enquadrava o imputado ao parlamentar(vide art. 5º, XLIII da CRFB). Todavia, a Suprema Corte ratificou a prisão, invocando o art. 324, IV, do CPP que trata da inafiançabilidade quando presentes os pressupostos para a prisão preventiva – e não de crimes que, por si, proíbem a fiança independentemente das circunstâncias particulares.
A prisão em flagrante do membro do Legislativo federal apenas poderia ser decretada caso praticasse crime inafiançável, mas o Ministro Alexandre de Moraes, contrariando dispositivo expresso da Constituição, decretou o encarceramento em hipótese de crime afiançável, invocando a circunstância de não se poder arbitrar a fiança naquele caso porque presentes, sob sua ótica (chancelada por todos os demais pares), os pressupostos da prisão cautelar.
Sob outra viés, pela mesma razão jurídica invocada para suprimir a prerrogativa constitucional de um Deputado, os Ministros estão, em tese, sujeitos à prisão em flagrante pelo crime de abuso de autoridade, se presentes os pressupostos à prisão preventiva, e é o caso de sua excelência, o sr. Alexandre de Moraes, que vem praticando crimes em série, atentando contra o direito de liberdade e aniquilando a segurança jurídica, criando instabilidades política e econômica.
Igualmente passível da prisão em flagrante, ao que me parece, o Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Luis Felipe Salomão, que, no Inquérito Administrativo 600371-71/TSE, ordenou a suspensão do pagamento ajustado entre plataformas de redes sociais e alguns geradores de conteúdo, ferindo o direito ao recebimento da remuneração necessária a própria sobrevivência de famílias honestas, como também necessária à manutenção desse tipo de serviço, que consubstancia a liberdade de manifestação e expressão – e que, ao contrário do afirmado, não precisa de provas para respaldar as opiniões emitidas.
Ao assim agir, sua excelência também praticou abuso de autoridade (art. 33 da Lei 13.869/2019), por determinar restrição de direito individual fora do exercício da jurisdição e das competências conferidas ao Tribunal Superior Eleitora, disciplinadas no art. 12 do Código Eleitoral.
Atos de autoritarismo e violação de direitos individuais são inadmissíveis, quer sejam praticados por membros do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, como inadmissível que um País tenha que se prostar, de joelhos, à sua Corte Constitucional, que sobre a Constituição do Brasil colocou os princípios do “bateu levou” e “mexeu com um mexeu com todos”.
Concluindo, necessário reafirmar o óbvio: A Constituição é o que ela é, fruto das aspirações da nação brasileira, que impôs limites ao Estado, limites esses intransponíveis por qualquer Poder constituído. As exorbitâncias do Supremo – Órgão ao qual conferido o papel de proteger a Constituição tal como ela é, gostem dela o não os seus integrantes, não de recriá-la – expõe a premência de uma alteração constitucional que: a) reduza as suas competências, sobretudo para retirar-lhes a de natureza penal; b) deixe mais clara a submissão -não superposição – dos Ministros à Constituição e às Leis e; c) torne o procedimento de impeachment objetivo e infenso a voluntarismos de quaisquer autoridades.
Autor: José Paulo Leão Veloso Silva
Advogado, (ex Delegado da Polícia Federal)”
Análise técnica precisa, quanto ao que vem ocorrendo com os atos praticados por alguns ministros do STF.