
Macron, durante uma visita à Argélia, chamou o colonialismo francês de “verdadeiramente bárbaro” e um “crime contra a humanidade”.
Segundo a revista Foreign Policy, de 3 de agosto último, em matéria intitulada “Macron não é tão pós-colonial. A soberania nacional é uma coisa. A soberania monetária é outra.” Os autores, Mohamed Keita, conselheiro político sênior da Human Rights Foundation, e Alex Gladstein, chefe de estratégia da mesma Fundação, destacam que, em 2017, o presidente francês Macron, durante uma visita à Argélia, chamou o colonialismo francês de “verdadeiramente bárbaro” e um “crime contra a humanidade”. Na realidade, o político francês pouco fez para abolir o que ainda permanece como a marca mais duradoura do colonialismo francês atual: seu controle monetário sobre 14 países da chamada África Subsariana.
Como este controle acontece
Voltemos a 1945, quando a França criou a moeda Franco Cfa, com o nome de “Franco das colônias francesas na África”. Com a ajuda do Banco Mundial e do FMI, este sistema de exploração do controle monetário mudou de definição, em 1960, tornando-se “Comunidade Financeira Africana”. Este acordo, obtido através das duas organizações internacionais, permitiu à França dominar um vasto território africano, ao mesmo tempo que lhe assegurava um lucrativo mercado externo.
Já em 2019, Emmanuel Macron, na companhia do presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, tinha anunciado o fim dessa moeda. De fato, durante a conferência de Abidjan, foi anunciada a decisão de que não fosse mais nomeado um economista francês para chefiar o Banco Central, com a tarefa de administrar essa moeda. Além disso, o que ainda é mais importante, os catorze países africanos teriam sido dispensados da obrigação de manter 50% dos seus recursos depositados, no Banco da França, a título de garantia.
Na ocasião, em Abidjan, o presidente francês afirmou o seguinte: “o Franco Cfa provoca inúmeras críticas e debates: tenho ouvido as críticas, vejo os jovens censurarem a continuidade de uma relação que considera pós-colonial; então vamos largar as amarras “. Posteriormente, em maio de 2020, com um projeto de lei aprovado pelo Conselho de Ministros, e de acordo com o que foi anunciado pela porta-voz do governo, Sibeth Ndiaye, “a França de Emmanuel Macron decretou o fim do franco CFA”.
Mas o que realmente aconteceu? Na realidade, há muita retórica nas declarações de Macron, porém o conteúdo é muito escasso. Na verdade, pouco ou nada mudou em relação ao passado, apesar das declarações estrondosas do governo francês. Na verdade, o Franco CFA continua a estrangular o pescoço das ex-colônias. Ainda hoje, cerca de cinquenta anos após o fim do colonialismo francês, essa moeda garante à França, na África, o controle absoluto de uma área econômica muito grande. Nada feito em relação ao fim da moeda colonial: em dezembro de 2019, como a Foreign Policy sempre aponta, Macron concedeu apenas três reformas ao franco CFA, que se aplicam, apenas, a oito países da África Ocidental, mas não aos da África Central ou das Ilhas Comores, onde as regras anteriores continuam em vigor.
Mas de que reformas estamos falando?
Com a entrada do euro no sistema financeiro europeu, a moeda CFA mudará de nome, em 2027, para passando a ser Eco, na denominação de Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Ecowas), mantendo a paridade fixa com a moeda europeia. Os países em questão representam um pequeno número e são: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal e Togo. Mas Nigéria e Gana, potências econômicas de Ecowas, já declararam que não participarão, como forma de protesto contra a forte e persistente presença francesa. A segunda reforma foi o anúncio do presidente francês sobre a retirada de seus representantes dos conselhos de administração dos bancos centrais do antigo Franco CFA. A terceira reforma, anunciada por Macron, diz respeito ao deslocamento da obrigação de reserva de 50% em favor de um novo acordo que concede aos países signatários, o controle de suas reservas, contudo continuando a atribuir à França a tarefa de fiadora e credora de última instância, o que significa a persistência da dependência financeira de Paris. Como observa o economista senegalês Ndongo Samba Sylla, mesmo com a adoção do Eco, de fato, o funcionamento do sistema CFA continua a ser baseado em quatro princípios relacionados: taxa de câmbio fixa, liberdade de circulação de capitais, conversibilidade ilimitada e centralização de reservas cambiais. São esses quatro princípios que continuam a transformar os francos CFA e as moedas satélites de Comores na moeda francesa. Enquanto moeda única, o franco CFA implica também vários condicionalismos, nomeadamente o fato de os países que o utilizam, na realidade, não terem a possibilidade de escolher uma paridade adequada à sua própria situação econômica nacional.
Segundo vários economistas, o franco é o eixo em torno do qual gira todo o sistema de controle francês sobre os catorze países que o adotam como moeda. Um meio, portanto, que nada mais é do que um instrumento funcional para a manutenção de privilégios muito mais flagrantes, como o “primeiro direito”, do tipo “ius primae noctis”, dos príncipes medievais, a saber, o privilégio, garantido a Paris, sobre os recursos das ex-colônias. Tudo isso não mudou e não vai mudar com a introdução do Eco, e a França, desta forma, não se libertou de seu complicado passado colonial.