
Todos os protestos têm bases políticas muito diferentes
No último ano, os jovens africanos, em vários países, enfrentaram uma escolha difícil: protestar e se expor ao coronavírus ou ficar em casa, frustrados e em extrema pobreza. Milhões escolheram o protesto. A população jovem da África é frequentemente citada como uma das razões, pelas quais a pandemia teve um impacto menos severo na saúde pública, mas o impacto socioeconômico será mais percebido por esse mesmo grupo demográfico.
Tudo começou no Senegal, quando a maioria dos jovens se reuniu para protestar contra a prisão de um líder popular da oposição, mas ativou os símbolos de sua frustração persistente, com alguns saques em cadeias de supermercados francesas. Então, os protestos contra a falta de reforma econômica, no Sudão, em julho, mostraram que a revolução de 2019 foi apenas o começo da dissidência.
Na última monarquia absoluta da África, em Essuatini, a raiva dos jovens devido à falta de representação política e de oportunidade econômica levou a dias de saques sem precedentes e protestos mortais. Na África do Sul logo em seguida, jovens manifestaram contra a prisão do ex-presidente Jacob Zuma. Nos protestos andara se encaixando a raiva em torno do aumento das taxas de desemprego, levando a saques generalizados e à morte de 337 pessoas.
A relativamente estável Tunísia também viu protestos, que a levaram a uma crise constitucional contínua, na única história de sucesso da Primavera Árabe. E em Gana, os protestos expuseram uma fissura crescente entre os líderes do país e sua juventude, a maioria da população.
Vale a pena o risco. Todos os protestos têm bases políticas muito diferentes, mas todos aconteceram no contexto da pandemia, em ambientes econômicos que foram agravados pelos efeitos da COVID-19.
Embora as taxas de infecção no continente tenham permanecido relativamente baixas, em comparação com o resto do mundo, as taxas de vacinação também. No final de agosto, apenas 2,5 por cento da população do continente havia sido vacinada, e a baixa taxa de novas infecções (com a África do Sul como um outlier) poderia ser atribuída a uma série de fatores que ocultaram o verdadeiro impacto da COVID-19, na África, como capacidade de teste reduzida e falta de instalações de atendimento.
“Os danos que a COVID-19 irá infligir, a curto prazo, não podem ser contestados”, escreve o futurista e analista africano, Jakkie Cilliers (Diretor Executivo do Instituto de Estudos de Segurança da África do Sul) no livro The Future of Africa. “Milhões de africanos serão condenados à pobreza extrema, a renda diminuirá e muitos sucumbirão por falta de alimentos, à medida em que os esforços para restringir as taxas de infecção reduzêm a atividade econômica, empregos e impacto sobre os meios de subsistência.”
Efeitos persistentes da COVID-19. A longo prazo, a recuperação econômica, da África, será lenta e dolorosa. Um relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, de outubro de 2020, estimou que o PIB do continente cairia 1,4% se o mundo entrasse em recessão, com declínio de 1,25%.
Enquanto os líderes africanos se reuniam, em Paris, para discutir sua recuperação econômica pós-pandemia numa cúpula liderada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, a chefe do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, entregou a decepcionante previsão de que, enquanto o resto do mundo deve crescer 6% este ano, a África crescerá, apenas, 3,2%. Embora os líderes africanos pressionassem seus colegas ocidentais, em busca de ajuda, isso pouco significou para os milhões de jovens cujo futuro está em jogo.
Na última década, o aumento da juventude na África foi celebrado e temido. Uma idade, em média de 19 anos, apresentou oportunidades à medida que os jovens aproveitavam o salto tecnológico, em economias interconectadas, votavam em líderes mais jovens carismáticos (incluindo Macky Sall do Senegal e Abiy Ahmed da Etiópia) ou impulsionavam a mudança onde podiam, uma demonstração de otimismo na inovação e na democracia. Eles também migraram e estão migrando, em massa, arriscando suas vidas, para fugir visando um futuro melhor em outro continente, enquanto o jihadismo e a desilusão com a democracia ia crescendo.
Antes da pandemia, o crescimento populacional ultrapassava o número de empregos disponíveis, principalmente para os jovens, como era o caso da África do Sul. A má governança e a corrupção significavam que, mesmo quando os estados tinham visões econômicas ambiciosas, a implementação dessas políticas era deficiente.
Em países onde os empreendedores mais jovens tentaram construir novas indústrias, como no setor de tecnologia da Nigéria ou no setor de vestuário da Etiópia, a incapacidade do estado de lidar com as crises de segurança dificultou, muitas vezes, o crescimento. Em muitos países, votar não significou nada, pois os homens fortes mantiveram o poder por meio de manipulação e violência, muitas vezes com a aprovação tácita de aliados ocidentais.
Embora a pandemia tenha visto o resto do mundo contemplando um “novo normal”, frequentemente repetido, foi praticamente o mesmo em muitos estados africanos. Os governos usaram a pandemia como desculpa para reprimir a dissidência ou perseguir comunidades marginalizadas.
“Basicamente, um país corre maior risco de instabilidade política, quando 40% da população adulta tem entre 15 e 29 anos. Atualmente, 41 dos 54 países estão nessa categoria”, disse Cilliers à revista Foreign Policy. “Esse desafio é agravado quando as oportunidades, para os jovens, são severamente restringidas nas formas de baixo acesso à participação na governança, educação limitada e desenvolvimento econômico deficiente.”
Embora sejam os jovens que clamam por mudanças, ainda são os governos que devem responder. As possibilidades representadas pela juventude do continente só podem ir tão longe quanto os que estão no poder permitirem.